quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A garota de lugar nenhum (La fille de nulle part) - Jean-Claude Brisseau


Homenageado na Mostra Indie 2013, o diretor francês Jean-Claude Brisseau ganha retrospectiva e tem muitos de seus filmes apresentados ao público brasileiro.


Entre eles seu filme mais recente: A garota de lugar nenhum

O filme tem um clima intimista, muito dado pelos aspectos autobiográficos da narrativa. Além do filme ser protagonizado por Brisseau, a locação principal do filme é o seu próprio apartamento.

Assim, muitas das conversas parecem ter aspecto realista, tanto no conteúdo quanto no ritmo e também na maneira como são filmadas. 

O filme apresenta principalmente a relação de Michel, um ex-professor de matemática com uma jovem de rumo incerto, espécie de pária da sociedade, um "anjo caído". 

Ali eles conversam sobre o livro que Michel está escrevendo e que fala sobre crenças, religião, ateísmo, sentido da vida...

E as conversas seguem assim com tom filosófico.

Tema bastante interessante, mas que vem numa linguagem pouco trabalhada. 

E pelas raras cenas que fogem ao diálogo dentro do apartamento, se vê o potencial imagético de Brisseau.

Com certo tom místico, lembrando o mestre Kubrick e suas imagens fantasmagóricas de O Iluminado, mas num universo mais particular e menos grandiloquente. 

Falta um trabalho de personagens, que poderiam ser mais instigantes e tridimensionais e assim parecerem mais reais. Esse trabalho poderia ao mesmo tempo deixa-los mais humanos e mais misteriosos, nos aproximando da trama.

A garota de lugar nenhum tem sementes preciosas plantadas, mas a colheita poderia ser mais frutífera.

Talvez em outros exemplares da Mostra Indie...

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Verão do Skylab - Julie Delpy


Atriz francesa conhecida tanto por produções européias como A Igualdade é Branca, do mestre Kieslowski; quanto americanas, como Flores Partidas, de Jim Jarmush , Julie Delpy tem se dedicado cada vez mais à direção.

Talvez inspirada pela participação na série Antes do Por do Sol / Amanhecer / Meia-noite, de Richard Linklater - já comentados aqui -, na qual teve participação intensa na construção da personagem e elaboração do roteiro.

Delpy começou a por causos com inspirações biográficas nas telas.

Em O Verão de Skylab, ela tenta fazer uma síntese de verões em família no interior da França, tentando mostrar a riqueza, o caos e a multiplicidade do convívio familiar.

D
elpy trafega entre anedotas e temas profundos, mas se perde um pouco na dosagem. Não atinge nem a leveza de suas passagens cômicas e nem dá a dimensão de questões importantes abordadas (seja o primeiro amor, incesto ou política).

Busca certa espontaneidade, mas diversas vezes resvala em caricaturas.

Da pré-adolescente em busca de seus primeiros amores, da relação entre primos de cumplicidade e disputa, dos conflitos ideológicos entre irmãos, do reflexo dos que viveram uma guerra, das cobiças às mulheres do próximo, da fragilidade da 3a idade, da apreensão com a possível colisão com um satélite (skylab).

Mérito para a direção de atores, na qual consegue diálogo entre crianças sem experiência, atores pouco conhecidos, atores mais populares, como Noémie Lvovsky (de Camille outra vez, comentado aqui) e mesmo a diva Emanuelle Riva, recém destacada em Amor, de Haneke (comentado aqui).

Acaba com um filme bom, mas irregular, remetendo a esse pout-pourri de referências, e deixando a semente de muitas boas possibilidades que poderiam amadurecer (por exemplo se não usando recursos primários de flashback ou dando mais tempo para o desenvolvimento das cenas - lição que poderia vir da experiência com Linklater).

Talvez encontrar seu lugar entre o Pântano de Lucrecia Martel (também comentado aqui), Um conto de natal, de Arnaud Desplechin (comentado aqui) ou Love is all you need, de Susanne Bier (comentado aqui).

Instigada e instigante, Delpy parece ter material para novas e mais intensas experiências cinematográficas, que venham!

sábado, 14 de setembro de 2013

Frances Ha - Noah Baumbach


Experiente roteirista e diretor de alguns curtas, séries e longas, Noah Baumbach vem se despontando no cinema "independente" americano.

Longe de parecer tão alternativo quanto os americanos colocam, mas num trabalho com frescor e criatividade.

Um dos méritos de Baumbach é a maneira como trabalha seus dramas, valorizando detalhes do cotidiano e construindo minúcias dos personagens.

Foi assim em Lula e a Baleia, no qual trabalhou muito bem o tema da separação: o lado da mulher, do homem e dos dois filhos. Desde as questões universais até questões mais íntimas e singelas, tornando as cenas de dia-a-dia ricas e tridimensionais.

Agora Baumbach segue na parceria com a atriz e roteirista Greta Gerwig para contar a história de Frances Ha...

Uma jovem que tenta lutar contra a adultescência para se encontrar, compartilhando seus receios, pensamentos e momentos de lazer com os amigos, em especial com a roomate Sophie.

É com ela que Frances divide as observações curiosas e espontâneas sobre a vida (modo de ser das pessoas, desejos, anseios, dúvidas, medos).

E é por causa dela que Frances vive algumas crises, como a de ver Sophie sair de casa e ir morar com o namorado, adotando uma vida que elas questionavam antes em sua parceria.

Frances é dançarina e vai bailando em sua vida, tentando passos aqui e ali, tropeçando (às vezes literalmente), fazendo giros pelas ruas de Nova Iorque.

E também se preparando para pulos mais ousados: escolher uma vida de gente grande na qual ela se encaixe (que concilie as ambições artísticas e a necessidade do dia-a-dia).



Baumbach dá espaço para sua personagem, não tem medo dos gestos estranhos e de diálogos "vazios" e banais e com isso conquista o público. 

Tampouco faz grandes experimentações já que concatena todas as cenas algumas vezes inclusive forçando coincidências e paralelismos na história.

Mas faz tudo com graça e bom humor e faz render uma hora e meia com muitos sorrisos entre os espectadores! Maneira singela e interessante de retratar o dia-a-dia, que venham novas histórias!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Esse amor que nos consome - Allan Ribeiro


Estreia em longa-metragem do diretor Allan Ribeiro que se debruçou sobre os integrantes da companhia de dança de Rubens Bardot e seu diretor Gatto Larsen.

Produção de baixíssimo orçamento e produção simples resultando em filme espontâneo e singelo.

Esse amor que nos consome apresenta esses bailarinos e coreógrafos com intimidade e vivacidade. São vidas particulares, à margem da sociedade, resistindo em seu amor à dança.

Resistem à arte não tão valorizada, ao dia-a-dia de criação em meio a tentativas de projetos para editais, à escassez de recursos, à especulação imobiliária etc.

Mas é uma resistência doce, o que fica do filme é o amor à arte, a poesia dos gestos, o amor numa consumação cotidiana e suave, um viver a vida...

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo 2013


Como variar entre romances e contos, ver curtas-metragens nos dá outro contato com o cinema.


São narrativas que quando bem feitas funcionam maravilhosamente como piadas, como poesia ou mesmo como aperitivo de um drama mais denso.


Uma especificidade desse formato é que acaba sendo um espaço de aprendizado e experimentação e por isso é feito na maioria das vezes por estudantes ou iniciantes e é comum vermos falhas e desequílibrios de pessoas inexperientes. 

Esse ano o Festival Internacional de Curtas SP trouxe filmes de experimentação como 5 metros e 80 de Nicolas Deveaux ou o ótimo exemplo brasileiro Malária, de Edson Oda.

E também filmes que soam mais banais, como o exemplo da abertura do festival: Calcutta Taxi, de Vikram Dasgupta.

Exceção nessa sessão foi o maduro Walking the Dogs de Jeremy Brock, roteirista de O Último Rei da Escócia e estrelado por Emma Thompson.

Mas ao longo do festival sem dúvida que sempre pudemos nos deparar com excelentes surpresas...

A edição de 2013 trouxe filmes de cineastas que começam a ser conhecidos por seus "pequenos" filmes, como Thais Fujinaga e Roney Freitas - já comentados aqui

Outros já comentados por aqui foram Fernanda Chicolet e Cainan Baladez (também já comentados por aqui) que esse ano estrearam Colostro: um thriler psicológico denso e intenso que apresenta personagens e nos deixa instigados a aprofundar e completar a história.

História que também lança conflitos densos com desdobramentos além filme é Sobre Chás e Vinhos de Lucas Barão.

As histórias curtas tendem a se reconfigurar com os novos meios de produção (facilidade de acesso a câmeras e ilhas de edição) e com os novos veículos de exibição (youtube, vimeo etc). Por aí podemos nos deparar com filmes interessantíssimos e é um desafio da curadoria de um festival acompanhar essa evolução.



Nosso principal festival de curtas parece seguir forte nesse rumo. E que assim seja!

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Tese sobre um homicídio - Hernán Goldfrid


Segundo longa do diretor argentino Hernán Goldfrid Tese sobre um homicídio é inspirado em livro de Diego Paszkowski.


Goldfrid trabalha no cinema de gênero, construindo um bom filme de suspense policial.
A história sobre o professor de advocacia Roberto, vivido pelo ícone do "star sistem" argentino Ricardo Darín que se vê diante de um crime e se sente instigado a desvendá-lo:

Uma jovem aparece morta em frente a sala onde ele dá aulas, e alguns indícios aparecem o levando a chegar a um desvendamento do crime.

O questionamento que se faz é se ele de fato desvenda o crime ou se ele cria uma história possível com as pistas deixadas e as encaixa ou até manipula para que confirmem sua teoria, sua tese.

Essa dúvida é o que o filme poderia explorar de mais rico, como a tese colocada por Hannah Arendt e muito bem apresentada pelo filme de mesmo nome - já comentado aqui que questiona a maldade de envolvidos com o nazismo.

Em Tese sobre um homicídio a dúvida filosófica e moral, da ciência do direito e de sua prática cotidiana fica apenas como uma citação. O filme acaba explorando mais o crime em si, tentando entreter o público e trabalhando a linguagem.

Tese sobre um homicídio lembra filmes holliwoodianos, mas explora a linguagem de maneira simplória: trilha excessiva para pontuar todo o suspense desejado, alguns personagens caricatos, pontos de roteiro facilmente decifráveis, decupagem, direção de arte e de fotografia que muitas vezes parecem de publicidade, ressaltando detalhes que não merecem tanto destaque narrativamente...

Tampouco explora uma situação real e dá outra dimensão sobre a realidade (por mais ficcionalizada que fosse a proposta), como se dá em outro exemplar argentino: Abutres - também comentado aqui.

Faz lembrar tentativas latinas de diálogo com o cinema mais comercial, como o brasileiro Dois Coelhos - também comentado aqui.

E por fim resulta em um filme competente, mas numa história que não nos acrescenta nem nos instiga muito. Um caso que mesmo terminando em aberto, se encerra com o acender das luzes.