segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Elle - Paul Verhoeven


Paul Verhoeven (de filmes como O Quarto Homem ou Instinto Selvagem - com comentários recentes aqui) realmente chegou a uma excelência de execução, Elle traz a trama de violência e abusos sexuais com suspense, dramaticidade e muita profundidade.

A protagonista é vivida pela excelente Isabelle Huppert - já elogiada aqui em filmes como Amor ou A Bela que Dorme e impecável em outros filmes complexos como A Professora de Piano.

Aqui, Huppert é uma heroína-vilã que é vítima de um abuso sexual. E partir daí sua relação com a violação e com o desejo e como as outras áreas de sua vida se entrelaçam se tornam uma imbricada e instigante trama. 

Empresária de videogame bem sucedida, envolvida desde a infância em um escândalo policial de seu pai; 

com relações restritas mas intensas com sua mãe, seu filho, seu ex-marido, sua sócia e seus vizinhos, por exemplo, a protagonista nos mantém em uma linha tênue de intimidade e proximidade e total estranhamento. 

Nessa narrativa, Verhoeven é capaz de tirar gritos, risadas, lágrimas e embrulhos no estômago de seus espectadores. 

Somos tragados para dentro da história, muitas vezes tendo repulsa e querendo escapar dela a qualquer custo.

Duas horas intensas capazes de nos fazer pensar nas relações humanas e nos conceitos de moral, pecado, perdão, desejo, liberdade, bondade, maldade.

Parece muito para tão pouco tempo e maior ainda o mérito por fazer isso de maneira tão cinematográfica (decupagem, atores, trilha, foto, arte...), tudo preciso.

Para aprofundar vale ler também o texto de Eduardo Valente na Cinética.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O Quarto Homem (De vierde man) - Paul Verhoeven


O holandês Paul Verhoeven tem uma vasta filmografia em que narra jogos de sedução e violência explorando símbolos religiosos e sexuais e diversos tipos de perversões.

Em O Quarto Homem - filme do período de estabelecimento de sua carreira - ele acompanha um escritor que é perseguido por figuras estranhas: pesadelos que o perseguem, quadros e esculturas que ganham vida, imagens que parecem uma coisa mas depois se revelam outra...

E toda essa construção vai adensando as perturbações desse protagonista, numa narrativa que ora parece um filme nonsense com inspirações Buñuelianas. 


Ora um thriller noir (gênero que projetaria Verhoeven em filmes como Instinto Selvagem). Ora mesmo um filme mais cômico e Felliniano.

Muitas camadas e leituras possíveis, que ao mesmo tempo trazem personagens caricaturais e ao mesmo tempo etéreas e tridimensionais.


A crise de criatividade, a viagem para evento de seu livro, a relação com sua cicerone por lá, o romance iniciado, o triângulo amoroso com o namorado dela, tudo vai fazendo parte do universo perturbado desse escritor.

Não sabemos o que está em sua mente ou o que é real, mas isso não importa, pois o filme é um enfrentamento de demônios possíveis em nossas vidas ou em nossas mentes.

Páginas da Revolução (Sostiene Pereira) - Roberto Faenza


A adaptação do livro Sostiene Pereira de Antonio Tabucchi feita por Roberto Faenza conta com a ilustre participação de Marcelo Mastroianni no que foi um dos seus últimos trabalhos.

Um projeto internacional, livro de um italiano que morou em Portugal e por isso fez sua história sobre o país. Num filme passado lá mas com a equipe prioritariamente italiana, com atores como Stefano Dionisi e a diva Nicoletta Braschi.


Além deles a participação muito especial do talentosíssimo Daniel Auteuil.

Páginas da Revolução conta a história do funcionário público Pereira, vivido por Mastroianni, vê sua vida pacata sofrer interferências a partir da ditadura salazarista em Portugal.

No livro, a objetividade com que se narra faz com que o personagem seja mais intrigante, não sabemos se a neutralidade com que dá suas afirmações no que se intui ser um interrogatório são fruto de sua ingenuidade ou de sua dissimulação. 


Os personagens que o cercam no livro também se apresentam misteriosos, ou por uma real discrição ou pelo disfarce de Pereira.

Mas toda essa ambiguidade em uma trama passada em uma ditadura, com informações truncadas, perseguições e violência trazem uma riqueza muito grande ao livro.

Já em um filme muitas vezes é mais difícil manter o mistério. Não se pode omitir tanto, pois tudo é visualizado. Sabemos o tom em que as personagens falam, acompanhamos suas expressões, vemos suas caracterizações.

E o trabalho de Faenza nos leva a caricaturas, sem tantas nuances e sem uma revelação crescente do que se passa de fato nas ações de Pereira, que vai oferecendo ajuda a pessoas sem se saber suas motivações reais.

Para quem leu o livro vale muito a pena ver a construção de Mastroianni ao personagem e ver o cenário e construção da época. 
Entretanto como história autônoma, sem o livro como base, a narrativa fica um pouco rasa.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Maat - Saba Kazemi


Primeiro longa da diretora iraniana Saba Kazemi, Maat traz um argumento interessante: diferentes pessoas chegam a um apartamento na capital do Irã e descobrem ter sido trapaceadas e terem gasto todas as suas finanças em um contrato falso.

A partir daí elas se vêem no impasse do que fazer.

Mas a narrativa se desgasta um pouco, não pela linguagem simples e economia de recursos (o filme se passa praticamente em um único cômodo), mas porque não avança nas motivações e reflexões das personagens. 

Sentimos o impasse e as dúvidas de cada um, mas não os porquês, o que faz com que o filme se desgaste um pouco.

Valem as denúncias feitas (deslocamento urbano, criminalidade, ética, corrupção policial etc), mas faltam atrativos (talvez agravados por uma distância de culturas?) para dar um impulso maior a essa narrativa de válido potencial.

Depois da Tempestade (Umi yori mo mada fukaku) - Hirokazu Kore-eda


Simplicidade, afetividade, cotidiano e bom humor são algumas das características recorrentes do cinema de Koreeda, já comentado aqui.

Em seu filme mais recente: Depois da Tempestade, traz como protagonista um homem de meia idade que se vê perdido com sua vida, o que o faz repensar seus laços familiares e seus antigos sonhos e possibilidades.

Seu promissor futuro como escritor que não se concretizou, sua aversão à vida do pai, mas de que alguma maneira o fez seguir um caminho parecido (de fracassos e vícios), sua falta de empenho em seus caminhos alternativos (como detetive particular ou em ofertas de escrita para mangá)...

E como essa trajetória reflete suas relações familiares (como filho ou como pai) e como repercute (principalmente em seu casamento fracassado).

O que fazem dessa história algo especial é realmente a abordagem de Koreeda, poucos diretores conseguem narrar dramas como esse com tanta delicadeza. 

A intenção do diretor japonês não é se aprofundar tanto nas questões nem trazer tanta densidade psicológica, mas fazer um filme dramático, abrangente e com delicadeza e humor. 


Tocante e agradável, mais uma vez é isso que vemos em Koreeda.

Nossa irmã mais nova - Kore-eda



Cada vez mais voltado à família, Kore-eda fala aqui sobre as novas configurações familiares, com separações, novos casamentos, meios-irmãos e como se dão as novas relações.


A partir da morte de um pai que já não convivia com as filhas do primeiro casamento, a relação que essas vão descobrir com a meia-irmã mais nova quase desconhecida é o grande tema do filme.


Mais uma vez a singeleza é a tônica do diretor: os detalhes do cotidiano, elementos corriqueiros como vestimentas, comidas e olhares são os canais das revelações e trajetórias das personagens.


Nossa irmã mais nova é um filme bonito e poético, mas que se atém principalmente nas coisas boas, e assim perde um pouco de sua força.



A predominância poderia estar aí, como acontece na maioria de seus filmes.

Mas faltam mais conflitos, traumas, dores, que poderiam ser desatados e diminuídos com os encontros, os afetos e os carinhos, mas que não poderiam ser tão suprimidos.


Há muita poesia possível também nas dores, e esse é um dos principais méritos de alguns dos seus melhores filmes como Ninguém pode saber e Pais e Filhos - já comentado aqui.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Corações cicatrizados (Scarred Hearts) - Radu Jude


O diretor romeno Radu Jude se baseou no romance de Max Blecher para a adaptação de Corações Cicatrizados.

Um jovem com uma doença grave é internado em um hospital e passa a conviver com diversos outros jovens em condições semelhantes.

Ali eles vivem uma espécie de confraria de doentes, excluídos, sonhadores-desesperançosos, lutadores-inconsequentes, submetidos a tratamentos experimentais em longas e incertas esperas por diagnósticos.

Eles estão ali para se cuidar, mas ao mesmo tempo têm uma urgência por viver que os torna um pouco aproveitadores, egoístas, excêntricos.

Situação bastante peculiar, construída numa narrativa criativa e original, recriando o cotidiano claustrofóbico, doloroso, solitário e contundente.

Entremeado ao cotidiano, as inserções literárias dos pensamentos do protagonista trazem um ar filosófico e poético ao filme.

O resultado é um filme estranho, cansativo, mas criativo e autêntico. Vale a pena.

sábado, 5 de novembro de 2016

Ghashang va Farang - Vahid Mousaaian


Ver filmes de lugares distantes é uma maneira de conhecer outras culturas e viajar por elas.

Do Irã há alguns anos temos conhecido diferentes lugares, etnias, conflitos, pensamentos, poesias através do cinema de Abbas Kiarostami, Bahman Gobadi, Jafar Panahi, Mohsen e Samira Makhmalbaf entre outros - já comentados aqui.


De exemplos de simplicidade a profundidade, singelos ou filosóficos, sobre o universo das crianças ou da ditadura, sobre o machismo ou sobre a solidariedade, em geral são experiências muito ricas.

Talvez essa expectativa de ver um filme iraniano dentro da Mostra internacional de Cinema não tenha ajudado a experiência de ver Ghashang & Farang de Vadih Mousaaian.

Um filme sobre questões familiares (separações, adoecimentos, brigas, mortes, reconciliações). Mas feito em uma linguagem pobre, extremamente novelística, cheia de clichês (diálogos, trilhas sonoras, resoluções). Bem diferente do cinema de Bergman, homenageado em citações e trechos pelo protagonista do filme.

Um Irã diferente, de uma classe média sem problemas financeiros ou sociais, mas com questões humanas: afetivas, psicológicas...

Em cenários distintos do que costumamos ver: outros mobiliários, comidas, referências... Porém sem um tratamento com nenhum diferencial ou profundidade.

Talvez em outro contexto e janela o filme encaixasse melhor, neste caso só pode decepcionar.