sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

As Noites Brancas do Carteiro (Belye nochi pochtalona alekseya trypitsyna) - Andrey Konchalovskiy


O russo Andrey Konchalovski tem uma trajetória admirável, roteirista parceiro do mestre Tarkovski em obras como O rolo compressor e o violinista  ou A infância de Ivan - já comentados aqui e com direções premiadas como em Casa de Loucos.


Agora Konchalovski lança As Noites Brancas do Carteiro.

O roteiro surgiu de uma pesquisa documental nesse vilarejo no norte da Rússia e a história construída é um misto de ficção e realidade. 

Essa mistura é reforçada pelo elenco, em sua maior parte de moradores da região numa espécie de interpretação de si mesmos...

O principal é um carteiro que usa seu próprio barco para locomover cartas, pagamentos, encomendas etc entre os moradores e de suas relações com o "mundo externo".

Esse protagonista, um homem de meia-idade solitário e afetuoso, se relaciona com todos com certa atenção e carinho, em especial com uma vizinha divorciada com quem ensaia alguma aproximação, muito intermediada pelo filho dela.

E o bonito do filme são essas personagens, a maneira intimista como são tratadas, a câmera aproximada, os silêncios introspectivos, os diálogos realistas, a crise de vilarejos que ficam marginalizados, quase desertos, com pessoas esquecidas, descuidadas, alheias às novas tecnologias, aos novos modos de trabalho, aos novos tipos de sonhos...

(Outros filmes recentes trazem esse tipo de ambiente por motivos diversos: Nabat, Leviatã ou A Ilha dos Milharais - já comentados aqui).

O filme traz questões profundas, mas não faz nenhuma abordagem pretensiosa, se atém a um registro delicado e poético desses moradores. 

A solidão, o alcoolismo, as ambições são exemplos de temas do filme, mas os desdobramentos desses conflitos são intuídos pelos espectadores, é em nós que o filme ecoa e que a história segue...

Um dos méritos da abordagem poética dessas noites russas, brancas, melancólicas e esperançosas do carteiro...

Vencedor da direção no Festival de Veneza, o filme merece de fato muitos louros.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A Gangue (Plemya) - Miroslav Slaboshpitsky


Primeiro longa do ucraniano Miroslav Slaboshpitsky tem feito bastante sucesso no circuito alternativo em todo mundo.

Sua temática contemporânea da relação dos jovens com a inserção em sociedade, pertencimento, exclusão, preconceitos, violência.

E a linguagem diferenciada de personagens se comunicando apenas através de linguagens de sinais e sem qualquer tipo de legenda ou tradução nos envolve e nos traga ness´A Gangue.

Desde os primeiros passos do protagonista em seu primeiro dia no internato, passando pelos desafios para ser aceito, a vida de marginalidade para a qual entra (envolvido com brigas, drogas e prostituição), até sua tentativa de escape após se apaixonar.

As cenas todas do filme são bastante extremas, de uma violência cheia de crueza e crueldade: vemos espancamentos, assédios, abortos, tudo em um tempo que parece real e com uma câmera que muitas vezes parece documental.

Forte. Pesado. Mas rico e contundente.
Não é a toa que chama a atenção.

Há quem ache um exagero gratuito e de violência excessiva. Mas vale a pena passar pela experiência, aceitar as provocações e poder ver os sentimentos e reflexões despertadas. 

Concordando ou discordando, é importante ver por onde as criações em tempos de atos extremos, de terror de fronteiras, religiões, desempregos, repressão, recessão etc podem chegar. E nos levar...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Notícias de uma Guerra Particular - João Moreira Salles


Quando lançado, em 1999, Notícias de uma Guerra Particular vinha com uma irreverência e força de abordagem que impactava profundamente.

Ao ouvir João Salles falando sobre seu documentário na época, o interessante era ver como as forças na periferia (na comunidade, no morro ou em qualquer lugar "desprivilegiado") são complexas e aqueles que são vendidos como bandidos nem sempre o são, assim como os mocinhos raramente são tão puros também. 

Por exemplo falava para a classe média intelectual não ser tão preconceituosa com a relação que as pessoas têm ali com as igrejas. Falava da dimensão de comunidade e moral que encontravam ali e que muitas vezes os salvavam de fato (de crimes, drogas, desintegração da família etc).

Diante das dificuldades de sobrevivência e da opressão das forças econômicas e do Estado João Salles mostra que é difícil se manter incorruptível. Principalmente dentro de um sistema herdado de tempos coloniais, escravocratas e ditatoriais.

Assim, Notícias de uma Guerra Particular apresenta um mosaico composto por moradores "civis", traficantes, parentes de traficantes, policiais, ex-policiais, jornalistas...

Ambições, corrupções, violências... Um jogo brusco, cheio de drama e finais trágicos.


Tantas emoções que diversos cineastas em seguida resolveram retratar em ficções de grande sucesso.

O primeiro foi Cidade de Deus, comentado aqui, feito por Fernando Meirelles em parceria com Katia Lund, que justamente foi parceira de João Salles neste trabalho também.

Cidade de Deus rendeu a série e filme Cidade dos Homens e depois Tropa de Elite, entre vários outros exemplos.

Hoje (re)ver Notícias de uma Guerra Particular já não parece tão impactante, mas mais pelo fato de já termos visto, debatido, assimilado e nos familiarizado com essa realidade.

No mais João é muito competente em seus trabalhos. Admirador e herdeiro do tipo de documentário de Eduardo Coutinho, de quem foi produtor de alguns trabalhos, como Jogo de Cena e As Canções - já comentados aqui.

E também autor de retratos diversos, da agradável série Futebol, do belo Nelson Freire, do denso Entreatos e do profundo e instigante Santiago.
Que João nos traga então novas interessantes investigações para compartilhar!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

As duas faces de janeiro (The Two Faces of January) - Hossein Amini


O iraniano Hossein Amini começou sua carreira há 25 anos atuando principalmente como roteirista, em filmes como Drive


Agora Amini se arrisca também na direção em As duas faces de janeiro.

O filme é baseado no livro de Patricia Highsmith, que já tinha tido livros adaptados como O Talentoso Ripley.

A trama de As duas faces de janeiro começa bastante instigante: um jovem americano, vivido pelo pouco conhecido Oscar Isaac, trabalhando como guia turístico na Grécia e vivendo de pequenos trambiques. 

Em suas guiadas conhece o casal Macfarland: Chester, vivido por Viggo Mortersen e Colette vivida por  Kirsten Dunst, a quem se liga irremediavelmente.

Primeiro em certo interesse que não se sabe ao certo se é pela garota ou pelo que no homem o faz lembrar de seu próprio pai.

Depois ao tentar livrar-los de uma perseguição da polícia por crimes que Chester cometeu.

As paisagens, o carisma dos personagens e o diálogo começam com ritmo e nos cativam, porém aos poucos a trama para de se desenvolver. 

A relação entre os personagens se torna policialesca e as questões psicológicas (desejo, ciúmes, traição, identificação pai/filho, duplicidade etc), colocadas não tem profundidade e nem sempre justificativa.

Ficam ações a serviço de uma trama, com personagens que vão se mostrando cada vez menos profundos e até com fragilidade de verossimilhança.

Assim a segunda metade do filme se arrasta até chegar ao final sem graça e pouco revelador. Uma pena.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência (En duva satt pa en gren och funderade pa tillvaron) - Roy andersson


Terceiro filme da trilogia do sueco Roy Andersson "sobre ser um ser humano", já traz traços de sua ambição e humor no título: Um pombo pousou num galho refletindo sobre a existência.

O filme traz situações cotidianas mas em uma chave claramente não realista: maquiagens exageradas e cores não naturalistas. Os diálogos também têm um tom artificial muito empostado e com repetições de um humor elegante.

Em esquetes, Andersson apresenta a história de dois ambulantes que tentam vender artigos para fazer as pessoas rirem, porém eles mesmo são bastante melancólicos e não têm sucesso em suas empreitadas.

O filme ainda tem espaço para fazer críticas políticas e sociais, sempre focando em exageros e absurdos, o que nos remete um pouco ao cinema dos ingleses do Monty Python.

Para quem gosta de um humor mais sóbrio pode ser uma ótima experiência, para os que não há outras camadas para se debruçar sobre...


Antes da Chuva (Before the Rain) - Milcho Manchevski



O macedônio Milcho Manchevski fez sua estreia em longas-metragens com o grande Antes da Chuva, que roteirizou e dirigiu em 1994.

Manchevski conseguiu tratar de temas polêmicos em uma linguagem inteligente e bastante criativa: conflitos étnico-religiosos da Macedônia vividos em três diferentes momentos e espaços mas que se interligam no decorrer da narrativa.

Hoje parece uma construção banal, mas há vinte anos não era tão explorada.

O filme começa com o episódio "palavras" que acompanha um jovem monge em um monastério. Ele está em voto de silêncio e de fato silencia ao descobrir uma garota escondida em seu quarto.

Católicos ortodoxos aparecem em busca da garota albanesa acusada de assassinato, mas ele não a entrega, por uma espécie de amor à primeira vista.

Quando enfim é descoberto, acaba expulso do monastério e faz planos junto com a garota.

Mas a família da garota os encontra e ela é assassinada.
O rapaz termina ao seu lado, inconsolado.

Em seguida passamos ao episódio "Faces", que se passa em Londres e conta o triângulo de uma jornalista que reencontra seu amante, Aleksandar, fotógrafo de guerra também nascido na Macedônia.

Ele fala de casamento e de uma nova vida na Macedônia, mas ela não está certa disso e eles se separam. 

Ela depois encontra o marido e conta que está grávida. ele diz estar disposto a perdoá-la e começar uma nova vida, mas ela segue insatisfeita e se angustia ainda mais ao presenciar um assassinato em massa em um restaurante em que almoça.

O último trecho é "Fotos", em que Aleksandar volta ao seu vilarejo natal, o mesmo do início do filme. Mas ele também não encontra a paz que esperava ali. Nem a de espírito, nem a real, já que os conflitos étnico e religiosos se acirram na região.

Vamos entendendo um pouco mais dos dois lados do conflito e como a garota se envolveu no assassinato mencionado no início do filme. Voltamos às vésperas do acontecido em "palavras", ou às vésperas da chuva...

Essa construção não linear aqui instiga pois não é apenas um jogo de linguagem, mas uma maneira do espectador se relacionar profundamente com a trama.

Somos apresentados a um lado da questão, simpatizamos com ele, e só depois somos apresentado ao outro lado. Não há como fazermos defesas simples. Não localizamos os clássicos mocinhos e vilões, ao contrário, a partir dessas variações de tempo e espaço podemos sentir o horror da guerra, onde todos têm razões e ao mesmo tempo ninguém tenha argumentos que justifiquem suas ações.

O filme ainda traz flashes de momentos posteriores a todas as histórias e os mistura no meio das cenas. Apresentar um novo momento e contexto poderia enriquecer ainda mais a narrativa, mas como são peças que não se encaixam, deixam uma incerteza que não parece acrescentar à trama geral e acabam por poluir e diluir a trama que é tão densa.

Parece apontar para um caminho mais disperso e menos forte pelo qual Manchevski se enveredou, pelo menos no que apresentou em Mães, em 2010 - já comentado aqui.

Manchevski tem uma cinematografia dispersa e inconstante: alguns curtas, alguns programas de TV, alguns vídeos e alguns filmes. Uma pena pelo potencial visto aqui em Antes da Chuva. Que venham novas maravilhosas tormentas!