quinta-feira, 27 de março de 2014

Rânia - Roberta Marques


Filme de estréia de Roberta Marques apresenta a história da jovem que dá título ao filme.

Rânia é uma adolescente que divide seu tempo entre as tarefas domésticas ao lado da mãe (uma costureira dedicada), nos parcos diálogos e conflitos com os irmãos, no total estranhamento com o pai (um bruto pescador), no cotidiano da escola...

E principalmente nas aulas e treinos de dança e na vida ao lado da amiga Zizi.

Zizi é um pouco mais velha e tenta driblar o namorado para seguir sua vida de prostituição. Talvez essa independência e poder de sedução que ela exerça seja o que seduz Rânia a entrar por caminho semelhante...

Sua justificativa é sempre o amor à dança, seja das aulas de colégio, do strip tease da boate ou da cia de dança contemporânea que conhece e lhe dá a possibilidade de seguir uma vida profissional.


Esta esperança se dá na figura de Estela, bem interpretada por Mariana Lima.

Os elementos estão todos aí, cheios de potencial embora sem tanta originalidade.

A originalidade está no perfil da personagem, ao mesmo tempo tratado de modo intimista, pessoal e poético e com grande realismo.

Porém essa abordagem não é constante e não se aprofunda. As pinceladas no início e no fim do filme por um lado deixam certo gosto de quero mais (querer conhecer esse olhar delicado e sensível de Rânia) e por outro acabam reforçando certas lacunas.

O que Rânia vive não parece ter tanta urgência (demoramos a reconhecer seus conflitos e os muitos caminhos apontados dispersam um pouco a narrativa).

A premissa, o elenco, a direção de atores, as boas personagens e as lindas paisagens muito bem fotografadas acabam assim se esmaecendo um pouco com as irregularidades do roteiro.

Que venham novos passos de Roberta Marques para conhecermos mais lados de suas Rânias...

terça-feira, 18 de março de 2014

Gravidade (Gravity) - Alfonso Cuarón


O diretor mexicano Alfonso Cuarón que começou a ser conhecido por seu ótimo filme E sua mãe também, logo abriu mão de universos mais intimistas para buscar grandes dramas e ficções científicas, bem ao gosto do cinema norte-americano.


O mais recente, Gravidade, foi um dos filmes mais premiados no Oscar em 2014. 


Cheio de efeitos e com aspectos técnicos impecáveis (como o som - bastante premiado) conquistou o público e certa crítica.

O filme pode arrebatar no som e no visual, mas não parece trazer quase nada além disso. 

A trama da mulher que se vê sozinha no espaço e que tem que lutar para sobreviver é cheia de clichês, moralismos e muita breguice.

Ryan, a tripulante é uma mulher sem ânimo para seguir sua vida, por isso quando se vê "sozinha" no espaço passa por questionamentos que a motivem (na verdade imagina diálogos com o tripulante Kowalski para se dar essas respostas - discursos rasos, melodramáticos e repetitivos).


Terá Cuarón visto a obra-prima A liberdade é azul, de Krzysztof Kieslowski que trata do mesmo conflito?



Ao que parece Cuarón só queria mesmo pretextos para os exercícios estéticos.

A escolha de elenco é fraca, Sandra Bullock como protagonista não deixa margem pra dúvida (a atriz não tem carisma, expressão e nenhuma variação).

George Clooney que muitas vezes conquista e funciona com seu charme (como em seu filme Tudo pelo poder, já comentado aqui), aqui fica apenas canastra e acaba soando falso. Também porque a direção de atores não ajuda.

O roteiro também não nos dá nada além de oportunidade para efeitos. Os suspenses e ações são repetitivos, não há tempo de relaxamento e crescentes para causar mais impactos:

Logo no início vemos Ryan tentando aprender a pilotar duas espaçonaves em cenas praticamente em sequência, tendo as mesmas dificuldades e passando apuros semelhantes, o mesmo acontece com sua falta de oxigênio.

O filme entra então em um buraco negro, um vazio espacial que para quem não é fã de filmes de entretenimento podem parecer filmes 3D de parques de diversão.

Para os interessados pela ciência também não há muito espaço, pois os diversos furos do filme (questionados por físicos, engenheiros, astronautas etc) deixam a desejar.

E mesmo nas imagens espetaculares, a falta de construções narrativas mais fortes acabam desanimando. 

O final com a terrível metáfora visual de Ryan reaprendendo a caminhar, voltando a andar com suas próprias pernas é de uma pobreza lamentável (isso depois de ter cortado seu cordão umbilical com a nave mãe).

Não há nem como torcer para que Cuarón retome seu rumo no espaço, afinal, as estrelas da academia ele atingiu...

segunda-feira, 17 de março de 2014

Ela (Her) - Spike Jonze


Spike Jonze começou a se destacar pela direção de videoclipes nos anos 90. Em 99 lançou seu primeiro longa: Quero ser John Malkovich, bem recebido por crítica e público. 

O filme era um aperitivo da mente criativa de Jonze e sua ótima direção. Entretanto a narrativa do filme se perdia um pouco: a ideia de um mecanismo que permitia às pessoas entrar no corpo e mente de outros (no caso, do ator John Malkovich) e viver suas vidas não tinha um desfecho tão poderoso.

Fazia lembrar um pouco O show de Trumman e a discussão sobre a falta de liberdade, manipulação que sofremos e os limites de nossa autonomia, mas de maneira menos potente e fluida. Fosse um curta metragem, Quero ser John Malkovich seria excelente, como longa ficam aspectos muito interessantes, mas certa irregularidade.


Jonze seguiu na temática em Adaptação, uma nova parceria com o roteirista Charlie Kaufman.

Jonze também roteirizou e dirigiu o infantil Onde Nascem os Monstros, de paisagens e personagens belíssimos e graciosos.

Agora lança Her, escrito e dirigido por ele e vencedor do oscar de melhor roteiro original.

A premissa já conhecida das pessoas se relacionando com máquinas aqui nos faz ver uma realidade cada vez menos de "ficção científica".

Personagens plausíveis, serviços críveis e relações realistas, tornando possível vislumbrar esse futuro (pessoas vidradas em celulares e computadores, mas com uma proximidade um pouco maior e com recursos mais interativos do que temos hoje - avanços de 3D e similares).

Jonze constrói muito bem suas personagens e conta com um bom elenco e direção de atores. Joaquin Phoenix cativa o público na câmera que o segue quase que ininterruptamente e muitas vezes o deixando sozinho em imagem, apenas com a voz, não menos cativante, de Scarlett Johansson e bons coadjuvantes.

O filme também tem excelente ritmo (montagem e som) e uma estética bem interessante: fotografia e direção de arte que dão o ar futurista da trama mas com aspectos retrô.

A trama de Her apresenta Theodore como um sensível ghost writer de cartas que tem um círculo social reduzido e que se enclausurou no último ano após o fim de seu casamento.


(Mas não é apresentado como um inábil social, suas cartas, seus poucos amigos, seus encontros revelam isso, talvez apenas a ansiedade e cobrança da sociedade acelerada e que dita felicidade a todo minuto façam parecer que o ano sabático dele pareça doentio).

Ansiedade da sociedade ou dele, Theodore começa a buscar novas relações (além do videogame e de chats ocasionais) e se depara com um programa de inteligência artificial. Conhece ali uma garota e se diverte com ela.

Início de relação contada de maneira encantadora: personagens divertidos, carinhosos e em sintonia... Fácil nos identificarmos com o momento e nos cativarmos.

(principalmente aos que gostam de narrativas românticas como Antes do Amanhecer / Pôr do sol / Meia-noite - já comentados aqui; e tantos outros exemplares, por exemplo o francês Adeus Primeiro Amor, com comentários neste link).

Mas o difícil para qualquer história como essa é manter a chama da paixão na tela.

As relações não podem ser perfeitas, passam por desafios, superáveis ou insuperáveis e a vida segue.
Porém os conflitos com uma garota que não existe são um pouco óbvios e Jonze não consegue transcender.

Não dá profundidade às questões colocadas (por exemplo na relação com a ex, que termina com respostas e conclusões óbvias e rasas e sem explorar aspectos apontados como a maternidade/paternidade).

E tampouco segue na linha criativa e mais fantasiosa para um desfecho original (como a do roteiro de seu parceiro Kaufman em Brilho eterno de uma mente sem lembrança também comentado aqui.


Assim, a segunda metade do filme se arrasta um pouco e perde o encanto e frescor iniciais.

sexta-feira, 14 de março de 2014

12 anos de escravidão (12 years a slave) - Steve McQueen


O diretor americano Steve McQueen tem uma longa lista de curtas em sua carreira, por aqui ficou mais conhecido por seu filme anterior, Shame


Agora lança 12 anos de escravidão, vencedor de três oscar (filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvante) 

McQueen adaptou a história verídica de Solomon Northup, um negro que vivia livre em NY e é capturado por caçadores de escravos fugitivos. 

A partir daí é levado para trabalhar em fazendas e é privado de sua vida (casamento, família, trabalho), sem conseguir se explicar ou fugir.

Faz lembrar o excelente conto de Gabriel Garcia Marquez, Só vim telefonar, que também fala sobre mal entendidos que não podem ser contornados e chegam a ser surreais de tão absurdos.

Injustiças dos homens comprometendo vidas inteiras e mais indignante e tocante por ser verídica.

Filme muito bem feito (fotografia, arte, música...), mas numa abordagem um pouco burocrática, sem muitas nuances de personagem, sem muita dramaticidade ou complexidade. O personagem forte, racional, quase calculista acaba dando o tom mais frio do filme.

Dividido entre bonzinhos e malvados, o filme não chega a uma profundidade suficiente para um envolvimento maior.

Instigam mais as histórias das coadjuvantes, mas que não chegam a ser tão exploradas (por exemplo as mulheres que se sujeitam ao sexo com os patrões para terem benefícios).

Vale o registro histórico, a trama razoável e as qualidades técnicas.


quinta-feira, 13 de março de 2014

O Grande Gatsby (The Great Gatsby) - Baz Luhrmann


Baz Luhrman é especialista em filmes espetaculares, desde o início de sua carreira com sua versão modernizada de Romeu e Julieta, passando por Moulin Rouge e chegando no mais recente O Grande Gatsby.

Elogiado por muitos, o filme é uma adaptação do livro de Scott Fitzgerald

Fitzgerald e suas histórias fantásticas atraem adaptações, mas as versões audiovisuais parecem sempre deixar a desejar, como em O curioso caso de Benjamin Button, já comentado aqui


Aqui, Luhrman faz uma brilhante construção de figurinos e cenários (dignos de oscar).

Mas a narrativa não flui. Apoiado na narração de um dos personagens e sem apresentar as nuances de nenhum dos protagonistas fica difícil a empatia pela história.

O atrativo é mais uma vez o show - com muitos atos e extensão - e para muitos pode soar vazio.


quinta-feira, 6 de março de 2014

Na natureza selvagem (Into the Wild) - Sean Penn


Ator marcante de algumas interpretações muito boas como em Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood - com alguns filmes já comentados por aqui ou Milk de Gus Van Sant - também já comentado aqui, Sean Penn se arrisca também em direções, como nesta Na Natureza Selvagem.

Premissa bem interessante, baseada em fatos reais, do rapaz que se rebela contra as cartas marcadas de uma vida programada com carreira sem graça e muita burocracia e se aventura mochileiramente pelo norte dos EUA e Canadá.

Mas aos poucos a "rebeldia" se mostra vazia. O rapaz não tem grandes ambições e tudo que aparece como justificativa se torna um pouco moralista:

Os conflitos com os pais e o contraste com a hipocrisia dos mesmos; o discurso dos amigos hippies; os desabafos que faz em seu diário...

Com o filme totalmente apoiado em um protagonista raso, a narrativa acaba ficando fraca. 

O personagem beira o excentrismo, lembrando o protagonista-assunto de O Homem Urso de Herzog, mas sem as nuances ricas e interessantes deste.

Aqui, quase nada de importante acontece e as lindas paisagens muito bem fotografadas aos poucos vão cansando o espectador, tudo se esmaece, e a narrativa adoece pouco ao pouco até o fim.


Que belas narrativas que Sean Penn vive por aí o inspire mais da próxima vez!