sábado, 28 de dezembro de 2013

Pais e Filhos (Soshite chichi ni naru) - Hirokazu Koreeda


Koreeda tem filmes muito bons em sua filmografia: desde roteiros mais fantásticos e criativos como After Life, passando por singelos e divertidos como O que eu mais desejo (já comentado aqui), ou mais profundos e dramáticos como Ninguém pode saber e seu mais recente Pais e Filhos.

Recorrente a temática familiar envolvendo crianças, com quem Koreeda costuma trabalhar muito bem. Ninguém pode saber é um primor de seleção de atores mirins e direção: as interpretações espontâneas, os diálogos, o gestual, os tempos de ação.


Pais e Filhos é um pouco mais ambicioso, quer tratar de um tema complexo e filosófico e assim se perde um pouco no tom.

Aqui também acompanhamos o cotidiano das famílias, que é um dos principais destaques dos filmes de Koreeda por sua maneira extremamente delicada e realista de retratar detalhes do dia-a-dia;

Com os quais nos identificamos e onde nos deliciamos pela graciosidade das personagens. Porém o tema mais sério se impõe e a interpretação, diálogos e cenas não se sustentam da mesma maneira.

Pais e Filhos fala de duas famílias que descobrem que seus filhos de seis anos foram trocados na maternidade. E o filme acompanha a difícil decisão do que fazer. 

Quem é mais filho de cada família: os que tem o sangue ou os que foram educados por eles e fazem parte de suas vidas?

Dilema potente, complexo e extremamente interessante.


O argumento já faz valer as duas horas de filme. E a direção competente também nos envolve e instiga.


Diversas situações vão ilustrando o drama insolúvel, que nunca se resolverá completamente, não há solução plena e tudo provoca dúvidas e dor, além do amor incondicional da paternidade (seja a sanguínea ou de criação).

Diferenças de culturas, educações, formações, afetos, relações familiares... Pontos que o filme nos apresenta e com o qual nos deixa para seguirmos em nossas experiências e reflexões...

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Azul é a cor mais quente (La vie d'Adèle) - Abdellatif Kechiche


Abdellatif Kechiche começou sua carreira como ator, mas há alguns anos vem se destacando como diretor, por exemplo com Vênus Negra e agora com Azul é a cor mais quente.

O filme, como o título original bem diz, conta a vida de Adèle, uma adolescente em seu despertar: descoberta dos amores, dos desejos, dos interesses, do trabalho... 

A intensa vida na escola, a saída desse ambiente, a busca pelo caminho próprio, a tentativa da vida como professora, os grandes primeiros passos e tropeços.

Baseado em uma história em quadrinhos, o principal mérito do filme é narrar essa trajetória com realismo e delicadeza, ele se aproxima intimamente de sua protagonista.

(e essa intimidade se dá especialmente pela proximidade da câmera e pelos tempos quase reais de ações do cotidiano: comer, dormir, transar...).

A seleção de elenco e direção de atores é primorosa, em especial da protagonista, vivida por Adèle Exarchopoulos, que atua com espontaneidade e tem um enorme carisma. 


Mais do que sua beleza ou simpatia, há um magnetismo que seus gestos provocam e que a câmera de Kechiche capta tão bem. 


E seu talento faz com que a atriz se transforme a cada cena e pareça amadurecer em três horas os cerca de quatro anos que o filme narra.


A narrativa e a temática homossexual feminina faz lembrar outro filme muito especial: Amigas de Colégio do sueco Lukas Moodison que poderia ser um primeiro capítulo de Azul é a cor mais quente.

Entretanto aqui a maneira de retratar a história gerou polêmicas por desenvolver algumas cenas de maneira rasa e por reproduzir alguns clichês (e preconceitos?).

A grande mudança pela qual passa Adèle é a descoberta de sua homossexualidade e a vivência de seu primeiro amor. 

Nesse enlevo e romance entre ela e a jovem artista universitária Emma há diálogos mais primários, nos quais Emma (e também seus amigos) se mostra canastra e sem profundidade, ao contrário, há uma pretensão intelectual mas que para conhecedores de arte podem provocar repulsa pela falta de originalidade e rasidade do conteúdo.

No decorrer do namoro, Emma também reproduz os clichês de uma relação machista e antiquada sendo descuidada, ciumenta, traindo, desprezando, negligenciando...

Mas absolutamente humana. Seja em sua pretensão ingênua artística, que a mim soa mais juvenil do que idiota. Ou na maneira como se coloca diante da companheira.

Um grande erro julgar o filme buscando nele um exemplar de uma relação entre mulheres (como fizeram ativistas gays e feministas).

Ele apenas apresenta uma possibilidade de relação, e faz isso de maneira tão palpável e graciosa que perdoável em deslizes e precariedades. 

Adèle e Emma são personagens absolutamente realistas e podemos reconhecer nelas vários amigos e amigas (ou a nós mesmos também).

Descobertas de amor, romance, relações amorosas são questões universais e o filme possibilita que muitos se identifiquem. 

É extremamente poético e emotivo, e em seus tempos e espaços naturalistas nos leva para dentro da trama, nos aproxima de Adèle, nos faz estarmos enamorados por ela e junto com ela, e ao seu lado se angustiar, se dividir, se devastar...

Como não ficar ansiosa junto com ela durante sua paixão platônica por Emma? Como não se dilacerar com o reencontro nas cenas finais?

São necessários mais filmes como esse. Para nos conectar e trazer situações da vida para podermos nos emocionar e discutir, sem querer fazer deles bandeiras ou cruzes. 

Que venham muitos outros capítulos da vida de Adèle para prestigiarmos, ela merece! E nós também!


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sudoeste - Eduardo Nunes


Primeiro longa de Eduardo Nunes, Sudoeste tem características especiais.

Roteiro de realismo fantástico e uma direção bastante presentes são as marcas principais do filme.

Há um tempo circular, atemporal, de personagens que se encontram mas vivem em mundos e tempos diferentes.


Diálogo com outro filme lançado pela Superfilme em sequência: Rio Cigano, de Julia Zakia, já comentado aqui.



Ou podem ser lembranças, ou podem ser visões subjetivas, ou podem ser mundos inconscientes, subconscientes...?

A menina que nasce e (re)vive seus passos e/ou os passos de sua mãe... A vida familiar, as relações entre os pais, o irmão, os irmãos, uma amiga, algumas pessoas da vizinhança... 

Uma tragédia de concepção, as dificuldades de comunicação, as relações com o ambiente...

Seja as paisagens naturais ou mesmo a cultura local.

História de grande potencial, porém dilatada a um extremo um pouco cansativo. O tamanho do filme também é sentido por um excesso de preciosismo de linguagem.

A linda fotografia, a precisa seleção de paisagens não são suficientes para segurar o filme.

A interpretação, apesar de alguns atores estarem muito bem, acaba sendo um dos principais incômodos (em especial com as crianças).

Tudo é dirigido sempre em uma tensão máxima, e portanto as personagens acabam não tendo curvas e ficam planas.

Há uma densidade latente e conflitos sempre a ponto de explodirem, mas nunca explodem, assim a tensão em que fica o espectador não extravasa, e pouco a pouco vai se desgastando.

Esse desgaste é reforçado pela montagem, onde tudo sobra um pouco. Se fossem reservadas certas demoras, cuidados, ralentamentos para algumas cenas, essas ganhariam força e se tornariam especiais. Mas como todo o filme tem o mesmo tom, os tempos e espaços se banalizam um pouco.

Sudoeste sopra um vento com bastante força e frescor, mas tem tantas ambições que acaba não chegando tão longe quanto poderia. Muito potencial, que deixa bastante curiosidade para a próxima obra...

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Blue Jasmine - Woody Allen


Mais uma vez Woody Allen não resulta genial, mas interessante e agradável.

Com roteiro não tão original quanto o recente Meia-noite em Paris (comentado aqui), mas com personagens mais instigantes do que alguns dos últimos, como Você vai conhecer o homem dos seus sonhos ou mesmo de Tudo pode dar certo (também presentes no blog).

Em Blue Jasmine, a trama é boa, aproveitando suas figuras requintadas, tantas vezes fúteis, neuróticas, em crise... E daí explorando a crise recente dos EUA...

Cate Blanchet representa bem o estereótipo da socialite que perde tudo e fica totalmente perdida, sem rumo, em surtos.


E o contraste entre ela e sua irmã com padrões e referência classe média de subúrbio.


Apesar dos clichês, as figuras são densas e as situações bastante ricas.

Atores bons, e mais que isso: um ótimo casting. Boa linguagem. E o ótimo roteiro, que quando parece que vai desandar no meio, chega ao final revirado e digno.


E nos deixa animados para o próximo filme.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Rio Cigano - Julia Zakia


Rio Cigano é o primeiro longa-metragem da talentosa Julia Zakia, que teve destaque com outros trabalhos como o curta fabuloso A estória da figueira e o documentário-homenagem intimista e pessoal O chapéu do meu avô.

As qualidades desses seus outros trabalhos estão presentes aqui também, há a fábula e o clima intimista, inclusive na realização, já que Julia além de roteirista e diretora é também atriz, se colocando em ação e questão...

Rio cigano traz um pouco do universo de uma comunidade cigana (inspirada no mergulho que Julia fez com o grupo e inclusive rendeu o documentário Tarabatara), o dia-a-dia, os costumes, rotina, lendas...


Entre as lendas, símbolos como águas amanhecidas, luas, lobos, condes...

Ao passar pelas terras de uma condessa e entrarem em conflito, o grupo todo foge, ficando para trás apenas a menina Reka. 


Reka é encontrada pela condessa e passa a servi-la.

A perda é duramente sentida pelo grupo, que tenta resgatá-la, mas não consegue. Além dos pais, quem mais sofre é a melhor amiga Kaia, que mesmo adulta segue com o desejo de encontrar a amiga.

Bonita história, interessante mistura entre tom documental, de fábula, de drama ou suspense.


Falta talvez mais orquestramento desses elementos tão ricos e instigantes, definir melhor um público (que ora parece adulto, ora juvenil, ora infantil...) e narrar com mais densidade para esses espectadores. Priorizar um fio e poder dirigir mais, conduzir no bom sentido da narrativa.

O argumento, os atores (e não atores muito bem trabalhados), a fotografia, a direção de arte, a montagem... Está tudo ali!