quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Reality - Matteo Garrone


Quatro anos sem filmar, devido à repercussão de seu filme anterior, Gomorra, no qual Matteo Garrone tocava em temas densos e verídicos sobre o tráfico e o crime na Itália (e com o qual, além de colher bons frutos, gerou perigos ao diretor por seu caráter de denúncia).

Dessa vez, com Reality, Garrone chega com um tema mais leve: a vida provinciana e o sonho de riqueza e sucesso, Sonho materializado em uma inscrição para participar do Big Brother italiano.

O dono de uma peixaria entra em delírio ao cogitar a possibilidade dessa participação e se ilude e fica paranóico com pequenos fatos ao seu redor.

O filme é divertido e constrói bem suas personagens mundanas, principalmente na figura de seu protagonista, o não ator e ex-presidiário Aniello Arena. Porém as "piadas" se desgastam e se torna um filme cansativo em seus 115 minutos de duração.


Faltou um equilíbrio entre a crueza de Gomorra e o deslumbramento kitsch que Garrone se permitiu em Reality... Sobrou um pouco de show.

Bárbara - Christian Petzold


Bom trabalho do diretor alemão Christian Petzold em seu filme Bárbara.

Bárbara é uma enfermeira que vive na Alemanha oriental e sofre para tentar estar com seu noivo que vive no ocidente. 


Também não tem nenhuma simpatia política (questão colocada no filme apenas bem indiretamente).


E se sensibiliza (em crescente interessante) com pacientes em situações precárias e delicadas (por exemplo por trabalhar em campos de trabalho, sem garantias ou liberdade).

O que mais chama a atenção na personagem é sua dureza, sem muitos pretextos, contextos ou explicações. Nem mesmo com as diversas iniciativas de seu colega de trabalho, Bárbara custa a ceder um pouco.

Filme intriga em seu silêncio e comove pela bela construção de personagens, mas não chega a surpreender ou parecer excepcional para o Urso de Prata que ganhou em Berlin... 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A Caça (jagten) - Thomas Vinterberg


Diretor brilhante, o dinamarquês Vinterberg é capaz de instigar a todos com seu primeiro filme de impacto, Festa de Família, depois se perder um pouco com Dogma do Amor, fazer um bom filme como Querida Wendy;


E resplandecer com um grande filme como seu mais recente A Caça, vencedor de muitos prêmios, três só em Cannes em 2012.

Novamente personagens vistas de perto, mas sem intimidade, uma medida de distância para nos desnortear, para tentarmos nos aproximar sem conseguir, para tentarmos nos colocar no lugar, mas sem nos transpor verdadeiramente. Uma distância bem realista pensando em como nos relacionamos com o outro.


Ao mesmo tempo a construção de personagem com tamanha densidade que impossível não ficar completamente envolvido com a trama.


A Caça conta a história de Lucas, um professor de escolinha infantil em uma pequena comunidade dinamarquesa. Um homem colocado como triste, calado, ensimesmado e ao mesmo tempo capaz de grande generosidade e afetuosidade ao se relacionar com as crianças ou a tentar estar o mais próximo do filho, que vive com a mãe.


Porém Lucas passa por acusações de pedofilia e sua vida se torna um inferno de desconfianças, insultos e incriminações.

Faz lembrar muito o excelente documentário Na Captura dos Friedmans, de Andrew Jareckique é ainda mais grave por se tratar de história real.

Aqui a linguagem contida, os closes, a câmera na mão, a paisagem, as metáforas visuais, o som preciso... Tudo contribui na construção densa e impactante da narrativa.

Mais uma vez Vinterberg busca extremos, até com certa perversidade, certa provocação, mas acerta seu alvo na caçada. Nos faz vítimas de seu excelente drama.

domingo, 28 de outubro de 2012

O Amante da Rainha (en kongelig affære) - Nikolaj Arcel


Roteirista experiente, Nikolaj Arcel há dez anos se arrisca na direção e acertou à frente de seu último longa aproveitando para contar uma passagem importante de seu país, Dinamarca, em O Amante da Rainha.

Conhecemos os filmes dinamarqueses mais por sua ousadia e experimentalismo, vistos através das figuras "dogmáticas" de Lars Von Trier, Vinterberg, Susanne Bier, entre outros... 

Aqui a ousadia está no personagem retratado... A figura que levou o iluminismo à Dinamarca, o médico alemão Johann Friedrich Struensee.

Em termos cinematográficos, Arcel vai na contramão, faz um filme de época clássico e primoroso: 

Explora bem elementos românticos, políticos, sociais... Apresenta o mocinho, a mocinha, o mentor, o vilão e todas as figuras necessárias para um bom drama.

O rei com problemas psicológicos que precisa de orientação médica para exercer seu papel de rei e encontrar um interlocutor/tutor com potencial para instaurar mudanças radicais no país. 


Além de mudanças radicais no núcleo familiar... (Afinal, o título do filme não deixa suspenses).


As figuras são interpretadas por rostos conhecidos como Mads Mikkelsen (Corações Livres, Depois do Casamento, A Caça - já comentado aqui...); 

Trine Dyrholm (Festa de Família, Em um Mundo Melhor - já comentado aqui...), enriquecendo todo o elenco que está muito bem.


Dos experientes aos jovens Mikkel Boe Folsgaard e Alicia Vikander.

Bom também o trabalho técnico de direção de arte, fotografia, som...


Mas chama mais atenção sobre o filme seu valor histórico, para conhecermos mais de um passado recente que libertou um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo de certo obscurantismo.



Ponto a Arcel pelo filme e pela iniciativa!

Inferno (Hell) - Tim Fehlbaum


Primeiro longa do diretor alemão, Tim Fehlbaum, Hell apresenta realmente um inferno apocalíptico.

Apesar de argumento mais simples, o filme traz um universo parecido com de Saramago em seu Ensaio sobre a cegueira

Pessoas vivendo uma espécie de fim de mundo, com escassez de água e comida, sem poder se expor ao sol (que está se aproximando da Terra e destruindo tudo). 

Essa realidade faz com que as pessoas se tornem selvagens, desconfiando uns dos outros, atacando, tentando explorar, roubar, matar, pelo limite das próprias vidas.

(com Hell se percebe o quanto Cegueira de Meirelles poderia ser mais cru para ganhar potência).

Muitíssimo bem construído: personagens interessantes e cativantes, bela fotografia e direção de arte (cenários, locações, adereços...), potente trabalho de som e montagem.

Muita movimentação, suspense e correria que podem fazer parecer se tratar de um filme menor, apenas de ação, mas as questões implícitas ali são de tamanha profundidade, que o filme fica...

Desde a estética muito bem trabalhada que ecoa em nossas retinas, até às reflexões que ele suscita: quem seríamos (ou seremos) nós em realidades mais extremas...? 

O que seria o inferno? E quanto nos resta ainda de purgatório...?



Postcard from the Zoo - Edwin


Primeiro longa do jovem diretor da Indonésia, Edwin, Postcard from the Zoo tem questões e imagens interessantes, mas se perde um pouco em sua narrativa e resulta irregular.

Do belo começo em que uma menina é deixada no zoológico às imagens descritivas e poéticas dos animais;


O filme acompanha a menina já adulta, tentando se relacionar com um mundo periférico, de exploração e "animalização" das pessoas, onde elas fazem outros se divertirem, como animais de circo, ou em situações em que podem satisfazer animais-homens no cio.

Tudo com certa serenidade e complacência oriental. Esse mundo periférico não é de uma violência aparente, a agressão está contra princípios e sentimentos.

Muitas questões implícitas, mas que não caminham em um crescente no filme, a poesia das metáforas visuais animais que poderia haver se torna algo pontual;


E muitas cenas cotidianas mais áridas (da menina-moça pelo circo ou trabalhando como massagista erótica em um spa) parecem desentrosadas com as demais.


Filme com potencial, mas que precisaria amadurecer um pouco mais.

sábado, 27 de outubro de 2012

Crianças de Sarajevo - Aida Begic


Ganhador de menção honrosa em Cannes em 2012, Crianças de Sarajevo é um drama bem construído pela jovem roteirista e diretora Aida Begic.

A vida de dois irmãos, únicos sobreviventes de uma família após a guerra da Bósnia, que tentam construir a vida com difíceis perspectivas. Principalmente para a protagonista, Rahima, que é a responsável pelo irmão, a que trabalha, a que tenta fazer com que ele tenha um futuro melhor (podendo estudar), a honesta, a incorruptível, a subserviente... Mas com tanto peso e trauma, que não se torna uma heroína sem graça.

Assim como o irmão, Nedim, desajustado, revoltado, mal educado e mal agradecido, como tantos, também não se torna um vilão pura e simplesmente...

O filme tem uma boa construção de personagens, de ritmo, de cenários para isso. Tem uma boa narração do cotidiano (trabalho, casa, escola, televisão...) e nos instiga pelo passado, pelo futuro, pelos pensamentos e sentimentos que não são explícitos.

Ficam em camadas, colocadas, por exemplo, através de ruídos de imagens documentais da guerra que complementam muito bem a história do presente. Dá mais camadas e profundidade e faz com que haja mais complexidade na história contada.