quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

As Canções de Coutinho


Autor de um dos documentários mais importantes do cinema brasileiro - Cabra Marcado para Morrer, Coutinho toca pela simplicidade, pela crueza e intensidade dos depoimentos selecionados. 


Com temas e cenários ora mais contundentes, como o maravilhoso Boca de Lixo,
ora mais transcendentais, como Santo Forte,
ora mais singelos como O Fim e o Princípio


E também com exemplares de uma genialidade e sensibilidade incríveis como em Jogo de Cena, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos.


Em Jogo de Cena Coutinho embaralha depoimentos reais de mulheres sobre a maternidade e o amor, entre outros assuntos e interpretações desses depoimentos.

O jogo de cena feito mexe com o espectador que vê o pacto que faz com o filme (de credibilidade pela "verdade", de entrega a emoções reais etc) ser quebrado e refeito a todo momento. As reflexões propiciadas por essa montagem são interessantíssimas, emocionantes e profundas.

Difícil pensar o que poderia vir depois desse filme e então Coutinho parte de uma premissa mais "simples", na mesma linguagem minimalista de pessoas falando sem cenário, mas com a mesma seleção emocionante de palavras do coração... 

Palavras do coração não no sentido piegas, embora também. A partir de músicas que marcaram a vida de pessoas, elas contam situações de amor pelas quais passaram e daí cantam à capela as palavras e melodias que lhes rondam pelo amor, pela dor, pelo ciúmes, pela frustração, pelo pesar, pela alegria...


De uma intimidade quase constrangedora, tamanha a proximidade e invasão em universos tão particulares. 

(Parece quase uma sessão de terapia filmada, que parece beirar a ética da exposição alheia, não houvesse uma pesquisa, uma seleção, um cuidado que legitimam o desejo dos entrevistados de desabafarem para quem quiser ver - e ouvir!).

Mas o que torna o filme tão bom é esses universos tão particulares e íntimos serem também tão universais. Passamos pelos 90 minutos compartilhando histórias bonitas e doídas e rememorando nossas próprias, cantando junto e somando outras ao repertório...

As Canções, filme para ver e ouvir e despertar as lembranças...


domingo, 18 de dezembro de 2011

Restless e a inquietude de Gus Van Sant


Gus Van Sant é um diretor extremamente talentoso e que pode variar em narrativas mais clássicas como Gênio Indomável e Milk (já comentado aqui) e outras mais autorais e líricas como Paranoid Park Elefante, vencedor de Cannes em 2003.


Uma de suas constantes, independente da forma, é a juventude e, mais que isso: jovens deslocados, melancólicos, solitários, gauches...

E é assim em seu novo filme, Restless, no Brasil: Inquietos.


Enoch (Henry Hopper) é um frequentador de enterros morbidamente interessado - ou intrigado - com a morte. Nesse ambiente conhece Annabel (Mia Wasikowska), uma simpática e misteriosa garota que em seguida descobrirá ser uma paciente com câncer.

Os dois se identificam por suas excentricidades, seu gosto pela fantasia e abertura à imaginação. Se propõe jogos, charadas, faz-de-contas e não expõe nenhum preconceito por qualquer dúvida ou diferença que apresentem (muito diferente de uma média onde jovens posam de "sabe-tudo" e tentam seguir padrões).


Essa "fantasia" é o que torna o filme tão bonito e faz com que questões profundamente complexas como o amor e a morte se vejam tão poéticas.


Mas é também nesse tom surreal que o filme se amorna.


Não há em Inquietos um pacto de fantasia como nos filmes de Jean-Pierre Jeneut, por exemplo em seu mais conhecido Amélie Pouilan, ou nos recentes Submarino de Richard Ayoa e
Frango com Ameixas de Marjane Satrapi (já comentados aqui e ali, mas ainda inéditos no circuito comercial).



E assim suas personagens ficam um pouco perdidas em um tempo e espaço que poderiam ser mais interessantes se num universo completamente verossímil, que daria uma dimensão mais exótica e densa - como acontece em Os Sonhadores do mestre Bertolucci.

Alguns aspectos do filme que contribuem para isso são o excesso da trilha musical e a presença de fantasmas, que deixam a dúvida se o filme está sendo narrado em terceira pessoa ou não.

Se há uma mistura de subjetividade com paranóias e traumas envolvidos, já que o filme evoca esses desdobramentos de experiências de morte. 

Algumas lapidadas e o filme seria mais intimista, mais profundo, mais poético. Ficaria mais aberto às interpretações do espectador, que sem dúvida se envolveria pois o filme é muito bem construído (elenco, interpretações, fotografia, arte...).


Bonita obra, mas que poderia tocar mais.


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Rebobine, por favor (be kind, rewind) - Gondry


Gênio do mundo do videoclipe, com grandes obras criativas e estéticas 

(de artistas como Björk e Chemical Brothers), de vez em quando Michel Gondry também se aventura pela sétima arte.

Por exemplo com o hit (até excessivamente cultuado) Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (comentado aqui), no qual explorou além de seu talento visual, sentimentos e pensamentos profundos e abstratos em uma narrativa bem estruturada e envolvente.



Esse histórico foi o que me levou a ver - mesmo que tardiamente - Rebobine, por favor, ou no original: Be Kind, Rewind.

A sinopse tem algum atrativo criativo já que após as fitas de uma locadora serem desgravadas (por uma "desmagnetização" acidental), há um grupo recriando clássicos do cinema-pipoca americano, 


E tem como protagonista Jack Black, que costuma desempenhar muito bem seus papéis nerds-humorísticos (como em Alta Fidelidade e Escola de Rock)

Entretanto o filme é bastante pobre, não só as recriações extremamente toscas, que parecem literalmente brincadeiras juvenis, mas também o "filme por trás do filme".


As histórias desses "pretensos cineastas" são simplórias, seus conflitos pouco envolventes, suas personalidades pouco carismáticas e as premissas pouco críveis e um tanto gratuitas.

O que poderiam ser duas horas de entretenimento-pipoca, acabam mais como um chá-morno-enfadonho.


Faltaram justamente as principais qualidades de Gondry: criatividade (pois o nonsense parece mais uma piração amadora) e estética.


domingo, 11 de dezembro de 2011

A Pele que Habito (la piel que habito) - Almodóvar



Almodóvar é um cineasta de tintas fortes, personagens exageradas, tramas intensas.  

É capaz de obras interessantes e muito divertidas como um de seus primeiros filmes Pepi, Luci e Bom ou o clássico Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos - nelas há tons cômicos e farsescos e muitos histrionismos bem orquestrados.


Mas é capaz também de filmes dramáticos nos quais há uma ímpar humanidade em suas personagens, propiciando aproximação e identificação do espectador (ainda que haja certa dose de caricatura...).


Foi assim na sequência Carne Trêmula,
Tudo Sobre Minha Mãe e Fale com Ela

Histórias nada convencionais mas nas quais havia sentimentos muito bonitos: uma delicadeza em crimes, bizarrices e rompantes emocionais. Primor raro!


Agora em seu novo filme:
La Piel que Habito, Almodóvar se inspira no livro de Thierry Jonquet para criar uma dramática e pungente ficção científica.

Faz lembrar o clássico de Cronenberg: Dead Ringers - Gêmeos, Mórbida Semelhança (já comentado aqui), pela trama instigante, o drama profundo e pelas personagens excêntricas (médicos desafiando a ciência de acordo com seus desejos e instintos).


Mas sem dúvida remete também ao próprio Almodóvar, pela sua explosão de cores na foto e na direção de arte.



Entretanto o filme peca pelo excesso: excesso de histórias, excesso de reviravoltas, excesso de drama... Em alguns momentos chega até a parecer uma novela televisiva...

Por exemplo por seu excesso de personagens e tramas.

Começando pelo protagonista cheio de traumas, complexos e perversões e interpretado de maneira lacônica por Antônio Bandeiras - a frieza, que poderia ser um ponto positivo, não tem a dimensão da profundidade necessária e acaba não convencendo. 

A alusão que há de outras histórias paralelas também incomodam, por exemplo de seu irmão (personagem falsamente brasileiro - o que para nós chama mais ainda a atenção e incomoda pelo sotaque e por uma menção ligeira ao tráfico nas favelas).

Ele surge sem muita apresentação, vestido com uma fantasia de tigre, traindo a todos e não demonstrando nenhum sentimento e desaparece sem que tenha provocado nossa curiosidade para nada, nem deixado nenhuma marca.

Para a apresentação dessas personagens secundárias ainda são explorados recursos pobres como flashbacks e narrações, que não condizem com os temas profundos que estão sendo tratados...

Sexualidade, transexualidade, incesto, desejo, amor, morte...

O potencial que o filme tem com suas questões psicanalíticas, acabam se perdendo em um rococó narrativo... 

As questões tão interessantes que poderiam permanecer com força e vivacidade acabam se misturando, se perdendo e se diluindo pelo cansaço que o filme gera...


Valem as reflexões, mas a experiência cinematográfica deixa a desejar!



sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Isto não é um filme - Jafar Panahi



Assistir a Isto não é um filme não é apenas uma contemplação de arte e entretenimento, é também uma observação histórica e um ato político.


Jafar Panahi, cineasta iraniano autor de grandes obras como o singelo e gracioso O Balão Branco, premiado em Cannes em 95;



O Espelho, premiado em Locarno em 97 ou o forte e emocionante O Círculo, vencedor de Veneza em 2000.


Agora Panahi tem um novo projeto no qual gostaria de falar sobre uma jovem que quer estudar artes, mas que é proibida por seus pais sendo inclusive encarcerada dentro de casa por isso...



Panahi nos conta isso dentro de sua casa, onde vive há meses em prisão domiciliar e com uma sentença que lhe proíbe filmar por vinte anos. 

É o que vemos em Isto não é um filme.

Esse documentário não é a história que Panahi queria nos contar, mas é sim um filme emocionante e contundente já que nos conta mais sobre a situação do Irã desde o golpe de Ahmadinejad - também tema do recente documentário Dias Verdes de Hana Makhmalbaf

Descobrimos mais sobre o estado de repressão em que vive o país, levando dezenas de cineastas a prisões e centenas de filmes a censura (isso só pra nos atentar ao universo do cinema).

A dimensão do que é "não fazer um filme", para um cineasta atuante e comprometido como Panahi é captada então por algumas horas que passamos ao seu lado: sua angústia, seu tédio, sua falta de perspectiva é o que vemos neste documentário.

Além de cenas graciosas como ele descrevendo o projeto de seu novo filme, ele interagindo com seu colega e co-diretor do filme: Motjaba Mirtahmasb ou com o irmão do zelador, que também sonha em ser artista, mas que não vê futuro na área...


Ou sua observação do mundo através da TV, de ligações telefônicas e do pouco que lhe chega por frestas de portas e janelas...


Isto não é um filme tem um final aberto, que esperamos que possa ser contado em capítulos seguintes numa edição em breve e com final mais feliz...

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Late Bloomers - Julie Gavras



Julie Gavras, filha do mestre Costa-Gavras, fez sua estréia na direção com o simpático A Culpa é do Fidel, no qual se via as mudanças políticas e ideológicas na década de 70 através do ponto de vista de uma menina de 9 anos.



O desejo da menina por conforto, tranquilidade e estabilidade se embatiam com o envolvimento dos pais em movimentos sociais em prol do socialismo/comunismo, se envolvendo em reuniões, clandestinidade, desapego material...


Com esse bom argumento, um ótimo elenco (inclusive infantil), diálogos divertidos e cenas deliciosas, A Culpa é do Fidel teve um ótimo resultado, mesmo que com algum desequilíbrio narrativo.


Seu novo passo cinematográfico veio com Late Bloomers - O Amor não tem fim.

Novamente uma ótima premissa: o envelhecimento de um casal (vivido por Isabella Rossellini e William Hurt), as restrições físicas, a emancipação dos filhos, as mudanças de trabalho e de mercado, o desgaste (ou não) do amor...

Muitas questões profundas e complexas, um ótimo elenco, boas cenas, diálogos divertidos, entretanto um excesso: excesso de personagens, excesso de questões, excesso de sentimentos.

Fica difícil se identificar com as crises e sentimentos das personagens (já que são tantas e muitas vezes não sabemos de onde vem e para onde vão - no mau sentido, pois não entender muitas vezes é ótimo!). 

Fica difícil se posicionar com o filme, e as piadas meio soltas e cada hora apontando uma direção vão ficando cansativas...

Acabo achando o filme um desperdício de boas idéias, pois talvez se focasse mais, poderia ser mais contundente... 

(Ainda que Ninho Vazio de Daniel Burman também deixe a desejar, acho mais coeso.

Ou mesmo Fatal, que fala mais de uma história de amor e seus desdobramentos de ciúmes, comprometimento e afins, mas que aborda com profundidade questões da meia idade...)

Fato é que com tantos elementos bons (premissa, argumento, qualidade técnica, atores...) queria gostar mais de Late Bloomers, mas o roteiro deixa tudo isso disperso e o filme acaba sendo mediano.